"Coisa Ruim" de Tiago Guedes e Frederico Serra (por: Ana Carrilho)

"Coisa Ruim"

Uma família natural de Lisboa muda-se para uma casa numa pequena aldeia do interior. A chegada à casa, uns dias depois, há a ocorrência de fenómenos inexplicáveis. Como o povo daquela aldeia diz, "com a casa vem também a maldição".
Coisa Ruim ficou conhecido como o primeiro filme de terror português, mas apesar de muitos elementos estarem ligados ao género, coabitam acontecimentos muito espaçosos. Um dos artifícios principais num filme de terror são os acontecimentos súbitos, aqui tomam um tempo para acontecer.
Reúne uma boa história, um bom roteiro e direcção. O som cruza-se com as emoções dos personagens de forma coesa. A fotografia, o enquadramento e movimento de camera em empatia com o enredo.
Num cenário de acção iminente e mistério os personagens envolvem o espectador com a génese do preconceito versus lógica, debatendo à mesa temas como superstições, medos e cepticismos.
A casa é também uma das principais personagens porque é onde todos os conflitos familiares despoletam, já existiam antes.
Ricardo (João Santos), filho mais novo do casal que habita na casa, sempre com um olhar obliquo de uma criança assustada, é o primeiro a sentir-se incomodado na casa. Fantasmas da família de Ismael (Miguel Borges) atormentam-no. A intenção do realizador é mostrar que a família corre perigo, perigo também denunciado pela cor vermelha sempre predominante nos objectos no cenário e nos figurinos, nomeadamente da personagem Sofia (Sara Carinhas). Numa análise a outros filmes de terror, o vermelho é associado a violência, raiva e perigo.
O cenário onde o personagem Ricardo figura, ressuscita o cineasta Kubrick com o personagem mais novo do Shinning, bem como a outra criança do filme, o Sexto Sentido. Estes personagens de idades aproximadas e personalidades quase autistas são compatíveis por fenómenos fantasmagóricos.
O personagem Sr Dulce (Elisa Lisboa) e os seus sinais de ocorrência de perigo, representativo das superstições ou folclore que contam na aldeia, traduz um personagem quase fantasma, sempre espelhado com expressões de horror e medo. Numa cena da cozinha, quando se aproxima de Manuela Couto no papel de mãe, primazia pelo seu gesto de preocupação e ternura,como soubesse o desfecho trágico daquela família. Um padre Cruz, João Pedro Vaz,encarna um personagem céptico longe de acreditar nas histórias daquela aldeia.
O personagem Rui (Afonso Pimentel), brilha no ecrã com volúpia e em simultâneo, redenção a uma força sobrenatural. Depois de ser dominado pela punição de Ismael (Miguel Borges), que surge no ecrã de passagem, Rui (Afonso Pimentel) ganha um personagem inquietante e menos contido com as emoções.
O filme não está pensado para visões assustadoras, faces demoníacas, atos de mutilação,como estamos habituados a assistir em filmes de possessões demoníacas. Nem o personagem Rui sofre mutações físicas. Partimos do principio, que a intenção é sugestionar e provocar tensão.
Coisa Ruim, é a primeira longa- metragem do realizador Tiago Guedes e Frederico Serra e o argumento pelo irmão de Tiago Guedes,o jornalista e romancista Rodrigo Guedes de Carvalho.
Participou em treze festivais em países como o Canadá, Luxemburgo, Alemanha, Brasil, Roménia, Itália, Holanda, Espanha…
Ganhou o globo de ouro para melhor filme juntamente com o prémio revelação de melhor actor e o Shooting Stars Award.
Coisa Ruim fala de pessoas, das aldeias e as suas histórias que já fazem parte das suas vivências. De relações familiares, da colisão entre o bem e o mal, o Diabo é confundido com um Deus enraivecido. E o Diabo até pode andar por lá, mas não incendeia todo o cenário. É apenas o medo.
Jesus diz “ jogue a primeira pedra aquele que dentre de vós não for pecador”. Quis dizer “ aquele que dentre vós não for preconceituoso” e a ideia do preconceito nasce com a ignorância...